terça-feira, 13 de julho de 2010

Navegando na net encontrei um texto incrível sobre o preconceito com o qual a imprensa e a sociedade em geral tem tratado o caso Eliza Samudio, segue na íntegra....

Eliza Samudio sou eu; Eliza Samudio somos nós, queiramos ou não

Por
Bruna Scarpioni

A gente já conversou bastante sobre Bebel aqui. Há muito pouco tempo atrás, Bebel era Geisy. Hoje, num fenômeno inédito na escala de Bebéus que presencio há 18 anos, a Bebel da vez foi morta, esquartejada e devorada por cães.
Dá pra fazer um paralelo entre Eliza Samudio e Eva Perón, sabia? Éééé, olha só. Ambas, pelo visto, usavam um homem. Ambas era, logo, desonestas. Queriam dinheiro através desse homens. E foram socialmente condenadas, não por serem desonestas, mas por serem mulheres desonestas. A sociedade em que a gente vive permite a desonestidade, mas não na mulher. Tanto que ninguém no Twitter pede a morte de Zé Sarney. Da puta esquartejada, sim. Ser puta muda tudo. É um agravante monstruoso. O que é mandar espancar, matar, esquartejar, dar o corpo a cães perto de ser puta?
Fato é que putas existem, seja na esquina de casa, seja a menininha putinha da sua sala, sejam as de luxo, sejam as maria chuteiras, sejam Sônias, sejam Marcelas. Mais paralelos: Eu, Bruna, não uso drogas. Imagine que seria do tráfico se ninguém no planeta usasse. Acho que, pra sobreviver, a galera ia vender outra coisa. Se ser puta não desse dinheiro, não tivesse mercado, ninguém ia ser puta. Na hora de culpar mulher por engravidar e dar golpe, ninguém culpa jogador de futebol por não usar camisinha na orgia. O cliente faz o negócio. Se pagar pensão incomoda tanto assim, pra resolver isso existem camisinhas. E pra prevenir doenças muito sérias pras quais esse elementos nem ligam. Numa sociedade em que usar camisinha é ‘chupar bala com papel’, sendo que deveria ser hábito de higiene, ninguém lembra disso. Depois de tantos e tantos e tantos jogadores com filhos e pensões pra pagar, os profissionais do futebol deveriam abrir o olho pra essa maravilha libertadora de problemas que é a camisinha. É muito, muito fácil dizer que ela é uma golpista, e era, pelo que parece. Mas ele podia cair no golpe ou não. Não era um golpe tão difícil assim de se identificar. Caiu porque quis. Bruna, sua louca, homem não tem responsabilidade pelo que faz, esqueceu? Se estuprou, é porque ela provocou e ele não conseguiu ‘se segurar’. Se espanca, é porque ela dá motivo. Mulher tem que se contentar com o que tem, ser desrespeitada e julgada. Ser homem absolve o sexo forte de qualquer responsabilidade com respeito, consigo mesmo, com a lei. Ele tinha o direito de ser irresponsável; por ser mulher, não admite-se que ela seja “esperta” com alguém que é superior, um homem. Como ela ousa?
Duas coisas com as quais eu não negocio são honestidade e humanidade. Sensibilidade a sofrimento. Como diz Blache DuBois em ‘Um Bonde Chamado Desejo”, abomino crueldade. Abomino quem é capaz de causar sofrimento a um ser humano, a um animal, ao meio que habita, seja qual for o motivo. Abomino gente que, durante uma discussão, diz o que não sente só pra magoar. Nunca fui capaz de fazer isso, verdade. Eu magoava sem querer, mas por querer, nunca fiz. Abomino crueldade. Abomino gente que vê preço nas vidas. Vê um preço mais alto no senador, um preço mais baixo na puta, um preço mais alto na menininha virgenzinha de hímen (de outros buracos, eu sempre desconfio), um preço mais baixo na piriguete de Dyadema. Abomino. E abomino ver que eu vivo numa sociedade em que não estou segura, não importa o alto grau de virgindade e “decência” (falta de oportunidade, que fique claro) que eu tenha. Afinal, decência e castidade são passaportes pra uma mulher poder viver em paz (?) nessa sociedade psicopata. Eu não compreendo gente desonesta, cruel. Me digam vocês então, grandes moralistas, qual vai ser o limite. Hoje, pode esquartejar maria chuteira. Amanhã, como fica? Matar não é crime, pecado? Por que existem pessoas que ‘pode’ matar e pessoas que não ‘pode’ matar? Por que maria chuteira, puta, o que for, pode? Como vocês, psicopatas da moral e dos bons costumes, estabelecem os critérios? Hoje é a maria chuteira. Dado o nível de desonestidade, hipocrisia, indulgência e imundície em geral, quem garante que uma mulher está segura? Amanhã podem ser engenheiras as escolhidas para morrer, e eu danço. Ou qualquer uma de vocês. Morrer com o aval de uma sociedade de homicidas. Eu não tenho como medir onde vai os critérios de gente doente da cabeça. Afinal, amanhã, o meu preço pode ser baixo pra essa gente de coração podre e argumento fraco, de valores torpes, baseados no que instituição tal falou. Valores repetidos bovinamente. Repetidos sem o menor questionamento, sem que se saiba seu sentido. Doce costume dos imbecis. Pra quê, afinal, servem valores? Perguntem a si mesmos. Qual o sentido dissáqui que eu penso? Eu acredito no que acredito porque essas crenças fazem a mim e aos meus próximos viver melhor. Viver de formas diferentes, e viver bem. Meu maior valor é respeito. Questionei o que me ensinaram e entendi que o que me faz feliz é ver todo mundo feliz, com espaço pra viver. É isso que norteia minhas ações, e é por isso que escrevo: Pra não ficar quieta quando vejo o espaço de alguém sendo violado. Talvez essa pessoa não possa falar, como Eliza não pode. E se um dia, pra dizer o mínimo, o espaço dela foi violado, amanhã pode ser o meu, o da minha mãe ou das minhas amigas-irmãs. Não precisa ser PhD pra entender que meu bem estar depende do bem estar do outro. Meu nome é Bruna e esses são os meus valores.
O homicídio brutal não é assunto porque é brutal. Acontece diariamente com gente comum e não causa o mínimo desconforto, que dirá estardalhaço. A sociedade não liga pra crueldade, não. Não se iluda. Violentam criança diariamente. O conflito em Gaza vai fazer 70 anos, ou já vez, não sei de cor. A África passa fome desde que foi ocupada por brancos, e ninguém se importa. O negócio é que o crime foi cometido por um homem rico com a profissão dos ídolos nacionais: Jogador de futebol. E foi uma atriz pornô, uma maria chuteira quem morreu. O que é delicioso. Antes que as pessoas boas se assustem com o que digo, e antes que os psicopatas achem que eu também sou “decente”, explico: Cêis tem ideia de quanta gente tá segurando os preconceitos nessa nossa era de liberdade? Milhões. Milhões se seguram pra não falar que não acham negro bonito, que acham que gay é “invertido, doente”, que mulher ou é “vagabunda” ou é “decente”, e que as decentes estão em casa, obedecendo, e que as vagabundas tem mais é que sofrer, morrer, serem dadas aos cães. O BBB que deu um milhão de reais a um ignorante homofóbico, ao estereótipo perfeito de machão, Sir Marcelo Dourado, que caiu nas graças do nosso país cristão mesmo dizendo que apenas os gays transmitem AIDS, cumpriu a mesma função que o assassinato de Eliza: Dar uma oportunidade de respirar, de sair da toca, de falar besteira e ser aceito pros cruéis e anacrônicos, num mundo cada vez mais cercado de leis protegendo as minorias, as maiorias disfarçadas de minorias e as pessoas boas e esclarecidas.
Agora, vamos forçar o amiguinho psicopata, que faz piadinha sobre um esquartejamento no Twitter, que não questiona o fato de Bruno trair a esposa em orgias, que atenderam Bruno na delegacia e passaram um tempo conversando com ele sobre FUTEBOL!…Vamos ajudar o amiguinho que culpa Eliza pela própria morte a raciocinar, a se colocar um pouquinho no nosso lugar, o das pessoas de coração: Sabe os filmes pornôs da Eliza que estão circulando por aí? E sabe aquela pintura de Tiradentes esquartejado? Coloque a foto do rosto da sua mamãe nos rostos de Eliza e de Tiradentes.
É. Táticas Bakunin de Fazer o Leitor Pensar © 2010.
Pessoas boas do mundo, uní-vos enquanto é tempo.

04-07-10